quarta-feira, 30 de novembro de 2005

Também não gosto de bonsais...

Sempre que vejo um bonsai fico a me perguntar o que leva
uma pessoa a atrofiar uma planta. Talvez a incapacidade de
construir, formar, algo tão forte, grande e firme como a
uma árvore? Conseguir criar o inverso natural das coisas e
ainda dar o nome a isso de "paciência e dedicação"?
Besteira! Talvez a finalidade seja realmente se sentir
poderoso diante de um Jatoba de 20 centímetros.
Para mim, isso é o reverso da criatividade.
E domingo, lendo uma crônica da jornalista e escritora
Madô Martins, vi que não sou a única a não gostar
de bonsais e de mãos que atrofiam.
Vou transcrever aqui para vocês:

Mínima solidão

Uma poesia, na verdade, a única frase que nela existe,
fez-me pensar de novo nos bonsais, as árvores anãs cul-
tivadas há milênios pelos orientais. Trouxe também a
lembrança de um velho amigo que os caminhos da vida
tornaram distante. Todos os anos na Primavera, quando
o Orquidário, como até hoje, expunha em suas estufas
plantas belíssimas de várias localidades, retomávamos
uma discussão sem fim sobre os aspectos positivos e
negativos dos bonsais.
Meu amigo, amante das plantas ornamentais a ponto de
visitar Holambra várias vezes seguidas e lá convidar
expositores para trazerem suas belezas até Santos, de-
fendia a prática milenar, exaltando a paciência e dedi-
cação exigida por aquele cultivo, a estética inegável
dos espécimes e sua admirável longevidade, que os faria
conviver com sucessivas gerações de proprietários.
Vendo aquelas árvores atrofiadas por mãos humanas que,
na natureza, tornam-se frondosas, com troncos da largu-
ra de um abraço, flores e frutos que alimentam insetos,
pássaros e, não raro, nós mesmos, jamais me conformei.
O coração doía, diante de uma laranjeira ou limoeiro
carregadinhos de frutos do tamanho de pitangas; de raí-
zes que, em liberdade, seriam fortes o bastante para
romper o cimento das calçadas mas, impedidas de crescer,
não passavam de finos dedos crispados; de copas que da-
riam metros de sombra e abrigo reduzidas a pouco mais
que o diâmetro de um vaso doméstico.
Claro que os argumentos não convenciam qualquer das
partes. Meu amigo adquiria mais um bonsai e o levava
para casa, disposto a vencer o desafio de mantê-lo vivo,
saudável, e incluí-lo na herança dos futuros filhos e
netos. Eu o provocava, dizendo que compraria vários,
para plantar no jardim do prédio, sem arames ou podas
multiladoras, e deixá-los crescer, felizes, tudo o que
pudessem, na companhia uns dos outros.
É certo que meu opositor mostrava-se sinceramente tris-
te, quando algumas das minúsculas árvores da própria co-
leção não resistia à sua experiência de cultivador e mor-
ria. Sem lhe contar, para não criar ainda mais polêmica,
eu a imaginava indo para o Paraíso e lá recebendo a gra-
ça divina de poder ser grande, pesada, farta de galhos e
folhas.
Raramente nos encontarmos, agora, e nem mesmo no Orqui-
dário tenho ido com a mesma frequência. Sei que lá ainda
acontecem mostras de bonsais, atraindo público numeroso.
É bem provável que o velho amigo passe pelas estufas,
nessas ocasiões, e igualmente se lembre de nossa verborragia
cordial, enquanto admira a querida coleção de pigmeus.
Esta semana, pórem, um poeta do Rio Grande do Sul me
avivou o sentimento de protesto, a favor da libertação
dos bonsais.Diria, até, pela extinção de seu cultivo,
pelo menos em nosso País, onde natureza sempre foi sinô-
nimo de exuberância.
Com uma única frase, poderosa como um baobá, o autor
passou toda a discussão a limpo, dando-a enfim por
encerrada, ao menos de minha parte. Porque assim pensa
o gaúcho José Ronaldo Viega Alves e assim penso, defini-
tivamente (que me desculpem os apreciadores dessas
miniaturas vivas):

"Bonsais/sonham/demais/
com/pequeninos/pássaros/
que/não/irão/ver/
pousar/jamais".